segunda-feira, 21 de novembro de 2011

É A PRÁTICA DE ESPIRITISMO INOFENSIVA?






MÉDIUM, FAÇA SUBIR O FULANO DE TAL!


A sessão tem lugar num dos centros espíritas mais reputados da zona norte do Rio de Janeiro.
Em volta da grande mesa de madeira estão seis pessoas ansiando a hora de falar com o ente querido falecido. Uma questão de herança não testamental está dividindo aquela gente.
Nisto chega o deputado Chioco Cruz o médium espírita mais famoso do Brasil. Ele é alto, magro de rosto comprido. Uma barbicha no queixo lhe dá um ar de intelectual. Deve ter uns cinqüenta e tantos anos. Na mão traz um crucifixo e uma Bíblia.
 - Boa noite pessoal.  - saúda com cordialidade.
Os assistentes respondem em coro com uma boa noite quase imperceptível.
Nisto uma das mulheres fala:
- Por favor, médium faça subir o meu marido Fulano de Tal.
Após ter feito umas rezas e proferir umas palavras mágicas Chioco Cruz fala com voz forte:
 - Fulano de Tal você está aí? Se estiver mexa a mesa. Precisamos ouvir a sua voz.
Passam-se alguns minutos e nada. A mesa não se move. Então ele agita o crucifixo para cima e para baixo sobre a mesa. Ainda assim a mesa não se move. Várias vezes ele vai repetindo este ritual e nada, a mesa não se mexe. Ele começa a perder a paciência.
Cheio de raiva o médium dá fortes pancadas na mesa, e grita:
 - Fulano de Tal sei que você está aí. Vai, aparece.
Nisto a mesa se mexe com ruído e a família estremece.
 - É você o Fulano de tal?  - pergunta Chioco.
Responde uma voz cavernosa como se saísse do fundo dos tempos:
 - Não, o Fulano de Tal morreu, foi enterrado e o bicho já começou a fazer o seu trabalho.
 - Então quem é você? Um impostor?  - Fala Chioco.
De novo se ouve a voz cavernosa:
 - Tem razão, sou impostor mesmo. Cada vez que você faz subir uma suposta alma de um falecido é sempre um impostor que responde e se faz passar pelo falecido. Essa estória de almas penadas é falsa. Cada ser humano é uma alma e quando vem a morte, morre a alma. Eu já fui impostor bilhões de vezes, mas hoje tenho vontade de falar só a verdade.
 - Mas afinal quem é você? Que tem a dizer? Esta família está esperando!!!
A mesa mexe forte e a voz continua:
 - Eu já fiz parte da grande família invisível de Deus. Fui um belo anjo. Tinha não só uma boa relação com o Criador, como também com o seu unigênito, o arcanjo Miguel.
Um dia, porém, influenciado pelo meu atual chefe, abandonei a minha moradia correta. Desci á terra, materializei um corpo carnal e me juntei com uma das descendentes de Enos, neto de Adão. Era uma das mulheres mais lindas que viviam então. Seu nome era Querém-Hapuque.
 - Como assim? Que está contando seu impostor?  - interrompe o Chioco.
De novo a mesa se agita e a voz continua:
 - Hoje não estou sendo impostor. Por uma vez na vida estou falando a verdade. Para provar isso queira ler aí na sua Bíblia, em voz alta, Gênesis capitulo seis versículos um, dois e quatro, a segunda carta de Pedro capitulo dois, versículos quatro e cinco e finalmente a carta de Judas versículo seis.
Chioco pega a Bíblia e lê os versículos indicados:
 - E ACONTECEU que, como os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas.
Viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram.
Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama.
Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no Tártaro, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo;
E não perdoou ao mundo antigo, mas guardou a Noé, pregoeiro da justiça, com mais sete pessoas, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios;
E aos anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até ao julgamento daquele grande dia.
Após a leitura aterrorizado o médium grita:
 - Você é um demônio, vai embora deixa a gente em paz!!!!!!
 - Sim sou e como você insistiu tanto em me fazer subir, vou reter todos vocês aqui até concluir a minha história.
 Aí todos se levantam e tentam sair da sala, ouve-se um ruído como que de vento soprando e a porta é trancada com estrondo!!!
Todo o pessoal assustado, fica de pé olhando a mesa. Chioco está branco como a cal da parede. É a primeira vez que tal coisa lhe acontece.
Diz a voz:
- É melhor se sentarem e ouvirem de vez a verdade acerca da condição dos mortos.
Ainda atemorizados todos se sentam de novo. E a voz cavernosa continua.
 - Tudo isso aconteceu por volta do ano três mil antes de Cristo. Fez há pouco tempo cinco mil anos. Muitos de nós, anjos, achamos que os homens na terra se deleitavam demais com as lindas mulheres. E nós as criaturas celestiais tivemos inveja deles e cobiçamos as suas esposas. Quisemos experimentar o prazer sexual. Para isso materializamos corpos carnais e descemos á terra. Engravidamos as mulheres que tomamos. Os nenéns eram lindos, mas ao crescerem se tornaram gigantes. Eram os homens de fama. E esses homens híbridos provocavam uma terrível onda de violência na Terra.!
Alguns eram autênticas aberrações. Conheci um que tinha um só olho no meio da testa. Na mitologia grega é o Ciclope.
Aliás, quase toda a mitologia grega se baseia na nossa atuação quando estivemos aqui na Terra como homens. Nós éramos considerados deuses.
Chioco interrompendo:
 - Deuses? Feios demônios, isso sim!
A voz:
 - Engana-se. Nós éramos lindos como homens. Poucas mulheres nos resistiam. Devido aos atos dos nossos filhos híbridos aos poucos a Terra ficou cheia de violência. A vida humana não tinha mais nenhum valor. Se nada fosse feito em pouco tempo a raça humana seria eliminada do globo terrestre.
Então apareceu Noé, um maluco anunciando um vindouro dilúvio. Ao mesmo tempo ia construindo uma enorme caixa de madeira retangular; tendo cento e cinqüenta metros de comprimento, quinze de altura e vinte e cinco de largura, tendo três andares ou convés. Dizia que era para salvar do dilúvio quem se juntasse a ele.
Imaginem: Um dilúvio! O povo naquele tempo não sabia o que era isso. Nunca tinha chovido até então. A terra era regada por um vapor que subia dela mesma. Uma enorme nuvem de vapor acima da atmosfera terrestre envolvia o todo o globo. A terra inteira era uma estufa. O clima era todo igual, não importa onde se vivesse nela.
Durante quarenta anos o maluco Noé construiu a arca e tentou convencer o povo. Ninguém acreditou.  Só sua mulher, seus filhos e noras acreditaram. Apenas oito pessoas entre vários milhões. O povo cético zombava de Noé:
 - Pobre maluco, nunca choveu e vai haver um dilúvio? Louco mesmo!
Porém, no ano dois mil trezentos e setenta antes de Cristo, sem mais nem menos foram chegando junto da arca muitos animais.
Noé escolheu um casal de cada espécie e os fez entrar na arca. Quando todos entraram o céu escureceu. Ouviram-se trovões, viram-se relâmpagos e romperam-se as comportas dos céus, ou seja, rompeu-se a enorme nuvem de vapor que envolvia a Terra. Durante quarenta dias e quarenta noites caíram enormes trombas de água e todo o globo terrestre ficou coberto de água. Aí muitos correram para a arca, mas Deus tinha trancado a porta. Era tarde demais. Foi assim que toda a vida fora da arca morreu. Humanos e animais, mesmo os grandes animais selváticos a quem os vossos cientistas hoje chamam dinossauros, todos morreram.  Mas a arca flutuava sobre as águas para que deste modo alguma vida fosse preservada. Só escapamos nós, os anjos.  Como nós torcíamos para que a arca furasse e aqueles oito morressem também!  Mas ela prevaleceu estanque. Noé tinha-a bem vedado com alcatrão exatamente como Deus tinha mandado. Aí nós desmaterializamos os corpos e voltamos ao domínio espiritual, mas não mais fazíamos parte da família de Deus. A nossa condição passou a ser de completa escuridão espiritual. Fomos impedidos de nos materializar em humanos. Enquanto aguardamos o Juízo Final andamos por aí influenciando os governantes políticos a fazerem guerras horríveis. Para atemorizar as pessoas, ás vezes até encarnamos nelas. Eu fazia parte da célebre Legião de demônios possuindo um homem. Legião essa que Jesus Cristo permitiu que entrasse nuns porcos.
E ainda hoje continuamos a provar ao homem a veracidade do nosso Chefe quando disse que o homem mesmo pecando não morre, embora morra o corpo, não morre a alma.
Uma vez mais o Chioco interrompe:
 - Mas as religiões sempre ensinaram isso e continuam ensinando.
A voz:
 - Claro que o nosso Chefe tem todas as religiões sob seu controle. Por isso a verdade da Bíblia não é ensinada pelos clérigos. A sentença de morte dada a Adão foi clara: Tu és pó e ao pó voltarás. Assim o salário pago pelo pecado é a morte, nada mais. Durante a Idade Média a Igreja Católica enriqueceu com as vergonhosas vendas de Bulas papais para livrar as almas do inexistente Purgatório.
Chioco interrompe de novo agitando o crucifixo grita:
 - Para trás espírito imundo!
A voz dando uma gargalhada:
 - Isso também é invenção do nosso Chefe. O crucifixo não tem nenhum poder contra nós os demônios, bem ao contrário nós também nos servimos dele. Jesus não morreu numa cruz, mas numa estaca ou tronco de árvore sem traves. A cruz é um dos mais antigos símbolos pagãos.
Só há uma palavra que tem poder contra nós. Aparece na Bíblia sete mil vezes, mas os tradutores da cristandade substituíram-na por uma palavra comum.
Dessa forma ninguém a usa contra nós, nem mesmo vocês os médiuns. E não sou eu que te vou dizer qual é.
Chioco:
 - Mas você disse que ia dizer toda a verdade!
A voz:
 - Pois disse. E estou falando a verdade. Só que guardo para mim as informações que poderiam prejudicar-me. Se quiser saber qual é essa palavra consulte outras traduções das Escrituras. Algumas restauraram a palavra em todos os lugares aonde ela aparece nos manuscritos mais antigos.
Chioco:
 - Não te acredito demônio mentiroso. Aposto que nunca poderás imitar a voz do Fulano de Tal.
A voz:
 - Já imitei bilhões de vozes durante os milhares de anos da minha existência como demônio. Até imitei vozes de gente célebre tais como as de Nabucodonosor, César Augusto, Napoleão Bonaparte, François Mitterrand, Elvis Presley e até recentemente Yasser Arafat.
Aí a voz pára e mudando de tom diz:
 - Oi Caçulinha, você agiu muito mal com o seu velho pai. Você achou justo injetar um certo produto nas veias dele para provocar a morte por enfarte? É feio se tornar parricida para ficar com a herança. Aí família tenha cuidado, ele forjou um testamento falso para apresentar no momento propício.
Aqui a família reconhece a voz do Fulano de Tal e o caçula levanta-se e corre para a porta. Esta se abre e ele foge correndo.
A voz imitando ainda a voz do Fulano de Tal, fala:
 - Deixem-no ir. A partir de agora ele está no poder do meu Chefe. Quanto a todos vocês acho melhor nunca mais procurarem um médium espírita. Se não poderão também ficar no nosso poder. Quanto a você seu Chioco, há muito tempo que está em nosso poder. Mas a partir de hoje a sua fonte de renda como médium está secando. Você não mais ganhará dinheiro ás nossas custas.
Logo se ouve um ruído como de vento soprando e um silêncio sepulcral cai naquela sala. Todo o pessoal está petrificado. Nunca na vida tinham tido tanto medo. Ainda tremendo de medo um a um foram saindo.
Quando fica só Chioco se sente mal, leva a mão ao coração, faz esforço para respirar. A respiração se torna cada vez mais difícil. E ele cai para nunca mais se levantar.
No dia seguinte um jornal relata de modo lacônico:
Ontem o deputado federal e espírita Chioco Cruz teve um enfarte e morreu. O caso aconteceu durante uma sessão de espiritismo num centro espírita do Rio de Janeiro.

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